terça-feira, 12 de julho de 2011

O café nos tempos da Nespresso

A expectativa de que só saiam coisas negativas da minha boca quando sou inquirida sobre o que acho da Nespresso é engraçada. Sempre falo que estatisticamente é impossível que algo seja somente bom ou somente ruim. Então, como tudo, Nespresso tem vantagens e desvantagens.
Mas na verdade o assunto desse post não é a Nespresso e sim o sintoma do qual essa empresa é um dos representantes principais: a compreensão equivocada do conceito de qualidade de cafés nos restaurantes.
Resisto em achar que o advento das cápsulas e sua oferta de diferentes blends seja um passo em direção à melhoria. É, sem dúvida, um avanço no sentido da padronização do produto no restaurante, já que o café está muito à mercê do operador, de quem o prepara. Também não tenho a visão romanceada de alguns puristas de que o ideal para restaurantes seja a operação de máquina profissional que encontramos em cafeterias especializadas. Para falar a verdade, entre esses dois cenários, prefiro o das cápsulas pasteurizadas, num conformismo "Mcdonáldico" que não deixa espaço para o inusitado, bom ou ruim, contentando-me apenas com o conhecido mediano.
Será que temos que nos conformar? Com tantos estudos, equipamentos, tecnologia e grãos de qualidade disponíveis hoje em dia, será que temos que terminar a refeição com um café pro forma? Café, que aliás, que infelizmente não será devolvido caso venha inadequado, ao contrário de qualquer outro item da refeição...
Deixe-me apresentar, então, um cenário que poderia explorar o produto café nos restaurantes de uma maneira cuidadosa e coerente com o restante dos itens do cardápio.
Espresso: ok, necessário, mas altamente super valorizado. Parece-me que o consumidor brasileiro só considera, como opção de café pós-refeição, o espresso. Eu poderia admitir isso mais facilmente se estivéssemos na península ibérica ou na Itália, mas aqui, onde a maior parte do café consumido é preparada por filtragem, lamento que os coados não sejam mais explorados fora de casa ou fora da realidade abominável dos cafés de escritórios.
Votando ao espresso: método cheio de variáveis envolvidas no preparo; um verdadeiro milagre na xícara quando está bom. Logo, qualquer máquina ou método que controle essas variáveis o máximo possível, me deixa mais tranquila no contexto do restaurante, onde todos, absolutamente todos, tiram café. Portanto, a escolha das cápsulas pasteurizadas ou das máquinas super automáticas, que moem o grão na hora, não me parece tão absurda se não for a única oferta de café. Realmente devo dizer que prefiro as super automáticas que moem os grãos na hora. As doses custam até quatro vezes menos ao restaurante, o método é mais ecológico e a escolha do grão pode ser no sentido de altíssima qualidade, caso seja adequado ao restaurante. O uso desses cafés super especiais alimenta uma cadeia de emprego brasileira, com cafés que são produzidos dentro de padrões rígidos de sustentabilidade e responsabilidade sócio-ambiental. Não esqueçamos do potencial de sabor... são muitos a ser explorados num país de dimensões continentais e variados Terroirs. Ainda assim, essas máquinas automáticas servirão seguros espressos sub-extraídos, ou seja, levemente aquém de seu potencial caso fossem preparados num contexto de grãos, máquina, moinho e baristas muito bons.

Outros métodos: por que não considerá-los, convivendo pacificamente com o espresso servido na casa? E por que sim? Porque métodos de preparo de café como a French Press, a "Italiana", a Aeropress e até o coado de filtro podem oferecer o que um café tem de melhor, podem explorar todo o potencial dos grãos com margem de erro quase, quase zero. Outras questões corroboram com a utilização de métodos diversos concomitantemente ao espresso: nem sempre o concentrado e potente espresso é o que harmoniza e finaliza melhor determinadas, ou muitas, refeições. Outro fator: o custo de métodos alternativos ao espresso é ainda inferior para o estabelecimento. Então, por que não aliar qualidade, variedade ilimitada, charme à mesa, custo mais baixo e uma finalização de refeição à altura do restante do serviço?
Que tal mostrar para o cliente que ele pode consumir coisas bem melhores após a refeição? Para que servir um espresso pasteurizado só porque o “cliente quer”? Afinal, o serviço de café pode e deve ser veículo do estilo e conceito com que o restaurante quer atrair e conquistar seus clientes como qualquer outro item do cardápio.

Questão para reflexão: vejo um esmero enorme com relação ao couvert. A margem de lucro dos charmosos badulaques iniciais é infinitamente menor que a do café e a receita que geram, tendo em vista os preços de espressos cobrados hoje em dia, não é tão diferente assim...

Até o próximo café coado, prensado...

Foto: Nana Vieira

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